luns, 1 de febreiro de 2016

David Vila: «Não sou galego, falo galego»

«O bom para mim foi não ter sido doutrinado pelo ensino galego sobre o galego oficial ou sobre a teima em separar o galego da sua raiz comum com o português».

David Vila (Eibar, País Basco – 1985). Estudante de doutoramento e professor de línguas na Universidade de Vanderbilt (EUA), músico e pesquisador da música como elemento construtor de consciência política no âmbito dos estados espanhol e português depois das ditaduras. Nasceu numa família emigrada no País Basco, estudou Filologia Hispânica em Deusto e uma licenciatura de Música em Londres. Atualmente mora nos Estados Unidos, onde cursa um doutoramento em Estudos Culturais Hispânicos.
Começar pelo princípio, não é? O que nos contas de ti?
Nasci em Eibar, Gipuzkoa, no ano 1985 e no seio de uma família emigrante galega. Minha mãe é de Tamaguelos, Ourense, na raia com Trás-os-Montes e meu pai é de Quintela, Junqueira de Ambia, Ourense.
Cresci no Pais Basco, habituado a muitas reuniões com galegos na casa, a ir  visitar amigos galegos de meus pais, e a ter entre os meus amigos muitos filhos destes amigos galegos de meus pais, que depois também via muitas vezes na Galiza de férias.
Deste jeito, cresci com o galego em todas as partes. Meus pais sempre falaram galego entre eles e comigo espanhol, ainda que dependesse do contexto. Normalmente falavam-nos espanhol a mim e ao meu irmão, mas se havia outros amigos galegos deles que nos estavam a falar em galego, não era estranho que meu pai também o fizesse para não estar a mudar de língua o tempo todo. Eles a falarem galego entre eles mas espanhol a nós era só uma maneira de nos habituarem a falá-lo porque na escola também só falávamos euscaro e pensavam que não íamos aprender bem o espanhol. De qualquer forma, o resto da família estava na Galiza também e sempre falavam em galego e, portanto, cresci falando e percebendo perfeitamente a língua.
Além disto, toco muita música e escrevo muito. Estou a tentar escrever o meu primeiro livro de poemas inteiramente em galego reintegrado e toco em muitas bandas-latino americanas. Conheço muitos brasileiros nos EUA também, e aí está outra força muito importante do galego!
Filho de emigrantes, emigrante… António Pérez Prado definia-se como um galego ectópico, isto é, que se formara fora do útero; poderíamos dizer que tu és um reintegracionista, um galego falante, ectópico?
A minha relação com a língua é simples: sou filho de galegos que falam galego na casa. Nasci no Pais Basco por causa do trabalho de meus pais mas a minha família está na Galiza e passei ali todas as férias, santos, e até fins de semana. Além disso, no Pais Basco morava em Matiena (Abadinho), um bairro cheio de emigrantes galegos e sempre estive em contacto contínuo com a língua ali também.
Há dez anos que me fui da península e quando volto de férias sempre estou na Galiza. O reintegracionismo descobri-o como conceito próprio primeiro e depois vi que havia um movimento que já existia. Quero dizer, quando comecei a estudar literatura em português, ir a palestras e escrever artigos académicos em português vi que as frases todas eram quase iguais que em galego. O momento mágico foi na minha primeira aula de literatura brasileira. Percebi tudo o que o professor disse e ele também o que disse eu, mas quando tive que escrever vi que estudantes que nem se comunicavam nem falavam, tinham mais facilidade do que eu. Então, pensei que se o galego o soubesse escrever como o português já tinha tudo pronto. Comecei a pensar nisso e a tentar escrever sobre isso e depois já vi que era um tema muito trabalhado. Poderíamos dizer que o reintegracionismo fodeu-me o meu artigo académico revolucionário sobre a língua galega e a sua escrita em português.
Estudei Filologia Hispânica em Deusto em 2003. Ali também tirei aulas de língua galega. Também estudei música moderna em Londres e agora estou nos EUA, na universidade de Vanderbilt, pesquisando a influência da música na construção de uma identidade política na península ibérica depois do final das ditaduras, sobretudo da perspectiva dos movimentos punk e underground periféricos (rock radical basco, rock bravu, punk e ska reintegracionista, etc.) no estado espanhol e no português. Além disto, também dou aulas de língua nesta mesma universidade. Moro em Nashville, Tennessee, e toco em muitas bandas. Em uma delas estamos a introduzir canções em galego de cantigas populares conhecidas.
Adoro fonética e gramática histórica e isso também fez com que neste verão lesse quase todos os livros da Através que tinham em Alhariz. O departamento onde estudo e trabalho é de espanhol e português e estou a tentar introduzir escritores, cantores, etc. galegos nas aulas e falar da Galiza nos eventos que se fazem sobre o português. Estou a tentar participar em tudo o que posso para, na práxis, falar da Galiza desde a lusofonia. Não falar do seu lugar na lusofonia, mas ir a congressos, eventos lusófonos e falar dela, naturalizando a sua pertença.
Sendo como és um observador privilegiado e um analista treinado: interessa-nos a tua visão da língua na Galiza, na sociedade, no teu espaço social, familiar, vital. Ou mais simplesmente, por que és galego-falante e reintegrata?
Na verdade, não foi até há uns anos que vi a utilidade internacional a língua da Galiza. O bom para mim foi que eu não fui doutrinado pelo ensino galego sobre o galego oficial ou sobre a política que existe na teima em separar o galego da sua raiz comum com o português. Desta forma, nunca tive preconceito nenhum nem medo aos supostos “lusismos”. Nunca tive nenhum pesadelo onde um “nh”, um til de nasalidade ou um “ç” me perseguiam com um dicionário na mão nem nada do género…
Estando em Tamaguelos ou noutros lugares onde havia portugueses— como quando soube que o vizinho em Tamaguelos era português!— nunca pensei que fossem duas línguas diferentes, se não fosse tão só por que se falam em dous — e mais — estados diferentes. Mas foi a ortografia que me abriu um mundo de possibilidades. Se não tivesse sido isso, tanto fazia, eu nunca tive problema em me comunicar com os portugueses ou em entende-los, fossem ou não fossem línguas diferentes.
Então, na verdade, para mim foi uma coisa muito natural. Aprender a escrever o português fez com que pudesse escrever a língua que eu já falava desde o berço. Foi muito mais simples que os processos que tenho ouvido as pessoas que na Galiza têm que fazer a mudança de normativa. Eu não aprendi nenhuma das duas na escola e quando comecei a ter aulas de português, ler português e escrever em português, simplesmente estava a pensar em galego…
Na minha opinião o problema na Galiza ou o problema dos galegos é não estarem culturalmente tão próximos dos artefactos culturais em reintegrado ou português como aos feitos em espanhol. Não estou a dizer nada que não saibamos, mas acho que sendo a oralidade tão próxima como é, e só normalizar a produção cultural o que faz falta.
Como vês a realidade linguística e social da Galiza. Que estratégias para a língua gostarias de ver? Por onde deve caminhar o reintegracionismo e/ou o movimento normalizador?
A língua galega é uma porta ao mundo que fala português e isso faz com que possamos experimentar outras culturas que têm muitas cousas interessantes que oferecer. Além disso, entender as raízes e cultura de cada um de nós é muito importante e, se vens de famílias que se comunicam em galego, a língua e a chave para toda essa cultura. Cantigas, contos, livros, etc. A cultura de um povo está nas histórias que conta a sua língua. Seria triste termos que ler os textos traduzidos para espanhol para podermos desfrutar de Castelão ou Rosalia ou não entendermos o léxico de nossos avós. Por isso, acho que é importante conhecer o galego de uma perspetiva reintegradora: para abrir as portas à lusofonia, e para nos conhecermos mais a nos próprios, além das influências do espanhol. E isto não é uma procura essencialista duma identidade sempiterna galega, e só pensar sem limites para abrigar mais espaços históricos e culturais. Nesse sentido, nunca deixaria de falar espanhol ou euscaro e de consumir cultura produzida nessas línguas ou em inglês ou qualquer outra língua. Aliás, embora eu não concorde com a normatização da RAG-ILG, não deixaria de consumir a cultura produzida nessa norma se não a houvesse em reintegrado ou português padrão.
Acho que o que está a fazer a AGAL nos últimos anos é a melhor estratégia. Como leitor apaixonado de Gramsci, acho que o que há que conseguir é que a cultura galega produzida em reintegrado — e nesse mesmo sentido, tudo aquilo que se produz em português padrão— se torne o hegemónico. Quer dizer, que haja tanta cultura produzida em reintegrado que o facto de termos que ler e escrever dessa forma seja algo natural. Isto não quer dizer que os que usarem outras grafias devam ficar fora, mas sim quer dizer que seria bom que escrever em RAG fosse culturalmente algo estranho— ou pelo menos não tão central —na cultura de maneira natural porque a cultura reintegrada se instalou na normalidade da cidadania. Isso é muito complicado e até, se calhar, utópico, mas acho que é o único verdadeiro caminho possível.
Nesse sentido, acho que há que continuar a produzir materiais interessantes culturalmente para que os cidadãos comprem estes artefactos culturais pelo seu conteúdo cultural e mergulhem na língua em que se desenvolvem através da cultura. Através da cultura.
Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associares? e que esperas da associação?
Não tinha visão nenhuma. Não a conhecia. Associei-me porque acho importante socializar a pertença a ela para socializar também a língua e os produtos culturais que oferece. Que seja central ao desenvolvimento cultural da cultura produzida em galego e não uma coisa marginal de resistência linguística de um pequeno grupo de tolos, como ainda muitos a veem.
Também espero que seja um espaço para cultivar e compartilhar cultura lusófona feita na Galiza ou fora. Fazer comunidade para produzir, partilhar e socializar toda esta cultura que existe nas margens da hegemonia e do discurso cultural oficial. Descobrir cantores, poetas, atores, etc. em português ora sejam galegos ou de Moçambique.
O mais importante valor em qualquer organização é a gente. Com que pode uma pessoa como tu contribuíres na Associação?
Agora mesmo, nos EUA vou apresentar em uma palestra sobre o reintegracionismo e a lusofonia (na que vai estar Teresa Moure), estou a escrever artigos sobre artefactos culturais galegos escritos em reintegrado, etc. e acho que posso seguir com esse aspecto académico do estudo cultural da cultura produzida em reintegrado porque é uma forma de dizer que existe e dignificá-la mediante a academia, que é a que muitas vezes elabora o cânone de, por exemplo, os textos que têm que ser lidos nos liceus. Além disto, gosto muitíssimo de escrever em geral, e poderia ajudar desde esse âmbito. Outra coisa interessante é que fiz música na universidade, e agora estou a tocar canções em galego também em bandas dos EUA, falando em eventos brasileiros sobre a cultura galega, etc.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2030?
Gostaria que a cultura em fala portuguesa fosse parte da Galiza de jeito natural e que todo o mundo a entendesse embora depois falassem na língua que eles quisessem. Não gostava quando obrigavam a que meus pais tivessem que falar euscaro no Pais Basco e diziam que se não sabiam tinham que aprender— depois de terem trabalhado 8 horas ao dia e 7 dias por semana — e tampouco gostaria de que ninguém se tivesse que ver obrigado a falar uma ou outra língua. A realidade é a que é, e há muitas pessoas que só falam espanhol. Acho que há que seduzir essas pessoas através da cultura e não só à força das leis linguísticas.
Gostaria de que a lusofonia fosse uma parte importante da cultura e do ensino e que todos tivessem as ferramentas precisas para se comunicarem no galego internacional, porque acho que com isto, vão ser os próprios cidadãos os que vão ver a sua utilidade e vão falar galego de forma natural ou vão querer aprendê-lo. Hegemonia cultural. Dito isto, até o 2030 faltam só quinze anos… Nesse caso, acho que conseguir que a lei Valentim Paz-Andrade funcionasse seria já suficiente.
Outro ponto que acho muito importante na “fotografia linguística”, pela minha própria história pessoal, é o que tem a ver com a diáspora galega. Os filhos de galegos ou gente que no estrangeiro pela razão que for tem uma relação cultural com a Galiza são um grupo muito grande que na maioria dos casos não aprendeu nada sobre a norma RAG-ILG e essa gente está a espera de ser seduzida pelo reintegracionismo. Acho interessante a opção de estender toda esta cultura a essas pessoas que podem ainda dar mais força a este movimento. Acho muito interessante, por exemplo, o trabalho que estão a fazer em Bilbau o grupo de Galizaleak.

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