venres, 19 de febreiro de 2016

No Dia Internacional da Língua Materna, documentário: Crónicas da repressão linguística

O dia 21 de fevereiro celebra-se em todo o mundo o Dia Internacional da Lingua Materna.

Na 30 Conferência Geral da UNESCO, celebrada na sua sede de Paris em 17 de novembro de 1999, acordou-se por unanimidade declarar o dia 21 de fevereiro de cada ano como o dia para lembrar e reivindicar a importância da língua materna. A proposta principal e formal foi feita pela delegação do Bangladesh, junto com outras instituições e ONGs. Por isto, desde o ano 2000, vem-se celebrando em muitos lugares esta comemoração. Com o nobre objeto de promover todas as línguas do mundo (atualmente perto de 6000), a diversidade linguística e o plurilinguismo. Em Daca, capital do Bangladesh, existe uma praça e um monumento, na qual estive há uns anos, dedicada à língua materna, neste caso o Bangla (que é como se denomina o bengali, idioma, entre outros de Tagore). Uma das comemorações mais importantes na Bengala Oriental durante o ano, gira ao redor destas datas. Durante o mês de fevereiro tem lugar um importante programa cultural e literário, com conferências, recitais poéticos, exposições, cinema, feiras do livro, teatro, cantigas e música. Os bengalis têm um profundo amor pelo seu idioma materno, verdadeiramente exemplar, que me produz uma sã inveja, quando me lembro da minha Galiza e do seu idioma próprio, o galego. Durante todo este mês a praça de que falo está toda engalanada e coberta de tapetes de flores e são muitas as pessoas durante todos os dias que a ela se aproximam. Não devemos esquecer que a causa fundamental que provocou em 1971 a luita, com final feliz, pela independência do Paquistão ocidental, esteve assente na defesa dos bengalis do idioma que amam, um idioma formosíssimo. Aqueles queriam eliminar a sua oficialidade e introduzir o Urdu (com grafia árabe) como idioma nacional e oficial em todos os âmbitos. Finalmente pesou muito mais a língua que a religião, e o Bangladesh terminou por ser um país livre e independente, em que o Bangla é o seu idioma oficial, que está presente em todos os âmbitos.
Um dos que mais se opôs à substituição do bangla pelo urdu foi o grande poeta Nazrul Islam, poeta nacional do Bangladesh, muito admirado, junto com Robindronath. Mas, já em 1952 houve mártires do idioma, três estudantes de Daca, mortos a tiros, na manifestação de defesa da oficialidade do seu idioma. Foram estes Abul Barkat, Rafiquddin Ahmed e Shafiur Rahman, assassinados pela polícia paquistanesa em 21 e 22 de fevereiro de 1952. O monumento da praça antes citada está dedicado precisamente a eles. E eu, em data tão assinalada e importante, quero render-lhes a minha humilde homenagem. Todas as línguas são importantes e ninguém deveria atentar e atacar as línguas, qualquer que for. Por isso não gosto do que acontece na Galiza, criando de forma artificial problemas linguísticos, que não beneficiam ninguém. Temos que fomentar entre os rapazes, nos lares, nas escolas e nos meios de comunicação, o amor e respeito por todas as línguas. Começando por apreciar aquela que usou, quando crianças, a nossa mãe connosco no colo. Por isso a língua materna está ligada aos sentimentos, ao amor, à afetividade, ao coração… E, por isto, tanta profundidade tem nos seres humanos. Quanto gostaria eu que em Espanha houvesse a mesma atitude para os nossos 4 idiomas que a que existe na Índia para muitos. Onde a Academia de Letras de Deli é para todas as línguas da República. Ao contrário do que em Espanha acontece.
Na minha última viagem ao Bangladesh, visitei a Bangla Akademi (Academia de Bengala) e entrevistei-me com o seu diretor. Este pediu-me, para um livro que iam editar de imediato, poemas galegos, portugueses e castelhanos, para serem incluídos no livro, acompanhados da sua tradução para o bangla. Entreguei, entre outros, o de Celso Emílio “Lingua proletária do meu povo, eu falo-a porque sim, porque me gosta, porque me peta e quero e dá-me a gana; porque ma sai de dentro, alá do fundo”. Também o de Manuel Maria “Idioma meu, humilde, nídio, popular, labrego, suburbial e marinheiro”. E, em castelhano o de Toribio Anyarín “Hallo más dulce el habla castellana que la quietud de la nativa aldea, más deleitosa que la miel hiblea, más flexible que espada toledana. Quiérela el corazón como a una hermana desde que en el hogar se balbucea porque está vinculada con la idea, como la luz del sol con la mañana”.
No ano de 2007, o galego Xan Leira realizou, sob o título de Crónicas da repressão linguística, um muito interessante documentário, que escolhi para apoiar os comentários do presente depoimento da série, nas vésperas da comemoração do Dia da Língua Materna.

FICHA TÉCNICA DO DOCUMENTÁRIO:

  • Título original: Crónicas da represión lingüistica (Crónicas da repressão linguística).
  • Diretor: Xan Leira (Galiza, 2007, 28 min., cor). Produtora: Acuarela Comunicações S.L.L.
  • ISBN nº 978-84-611-7702-8 (inclui um livro de 56 páginas e um DVD, com uma duração de 28 minutos).
  • Conteúdo: Análise do sistema de repressão desatado contra a língua e a sociedade galega e como esta ação repercutiu na vida íntima e social das pessoas submetidas ao silêncio e à humilhação. O projeto consta dum livro e DVD e conta com as opiniões de estudiosos linguísticos e de represaliados: Alonso Montero, Isaac Díaz Pardo, Xosé Manuel Fernández Cid, Francisco Fernández del Riego, Agustín Fernández Paz, Raimundo Garcia Domínguez, Jaime lsla Couto, Avelino Pousa Antelo, Elígio Rodríguez Domínguez, Bernardo Souto e Elvira Varela Bao, entre muitos outros.
  • O realizador: João Leira, conhecido como «Xan Leira», nasceu de pais galegos, em Buenos Aires, Argentina, no ano de 1955. É um multifacetado criador que tem exercido de diretor, produtor, roteirista, ademais de professor, escritor e editor. Começou no mundo do audiovisual na Argentina dos oitenta onde iniciou os seus estudos cinematográficos e deu diferentes oficinas-obradoiros e seminários sobre cinema. Tem feito numerosos trabalhos documentais entre os quais destaca a trilogia sobre a história de Galiza iniciada com a longa-metragem “Castelão e os irmãos da liberdade”. Da sua mão nasceram a produtora Iberoamericana Films S.A em 1989 e a empresa de produção de conteúdos Acuarela Comunicações S.L.L., em 2000.
  • Nota: Alguns dos seus Documentários já foram comentados no seu dia dentro desta série de As Aulas no Cinema.

A IMPORTÂNCIA DA LÍNGUA MATERNA

Os idiomas são toda uma riqueza cultural e todos são importantes. Inclusive aqueles falados por um grupo reduzido de pessoas. Existe em Ourense um ciber muito peculiar por ser cosmopolita, multiétnico, multicultural, multinacional e multilinguístico. Para nós é um prazer escuitar falar nele os senegaleses em wolof, os equatorianos em quéchua ou aimará, os brasileiros na nossa língua, os bengalis em bangla, que eu já leio e escrevo, e os latino-americanos num formoso e musical castelhano. Não é a primeira vez que aos do Senegal e o Equador pedimos que organizem algum curso dos seus idiomas tão lindos. Quanto gostaríamos de os aprender, embora tivéssemos que tirar tempo do que pouco temos! De passagem poderíamos fazer audições musicais da harpa senegalesa chamada kora, ou da harpa e flauta dos Andes. Seja qual for, a mais importante de todas é a língua materna de cada cidadão. Não é trivial o uso do termo língua materna. O primeiro idioma que se escuita dos beiços da mãe é muito importante, por estar ligado à afetividade, aos sentimentos e ao coração. Da nossa mãe escuitamos as palavras doces e amorosas, os poemas e os contos, as cantigas, e isso fica muito gravado na personalidade das crianças. Ir contra a língua materna dos nenos é um crime, que atenta contra todos os princípios. As luitas linguísticas são sempre perniciosas. Mas nos tempos atuais convém ter muito claro que os rapazes e os jovens devem aprender outros idiomas. E quantos mais melhor. Especialmente aqueles mais falados no mundo. Desfrutar lendo em galego-português, em castelhano, em francês, em inglês e, se se puder, nalguma língua oriental, onde está o futuro. Hindi, chinês, bangla, japonês… Sem perder a perspetiva de que primeiro é o idioma da comunidade onde se vive, respira e trabalha. Idioma materno muito ligado à cultura própria, como manifestação da mesma, e também à afetividade, que tão importante é. E contra a qual ninguém tem direito a ir. Nisto os políticos deveriam ser os primeiros em dar exemplo. O que infelizmente não acontece.
Na Índia todos os que estudam (infelizmente nem todos e todas) terminam por dominar no mínimo três idiomas. Os dous oficiais de toda a União Indiana e o do seu Estado. Isto é tão positivo que, ademais de gerar respeito entre os jovens para todos os idiomas, lhes facilita a aprendizagem doutros. Na Bengala de que tanto gostamos, o amor pela língua materna é proverbial. Mas ninguém despreza as demais. No Bangladesh ou Bengala Oriental o dia 21 de fevereiro é uma das festas mais importantes do ano, por ser o dia do idioma. Existe um grande monumento dedicado ao seu idioma, tão formoso que é denominado “italiano” da Ásia. Este país conseguiu a sua independência de Paquistão em 1973, com muitos sacrifícios humanos. O principal motivo para luitar pela independência foi o idioma materno que todo bengali ama e quer que sobreviva. Mesmo tiveram no poeta Naszrul Islam um mártir, que morreu pela defesa da língua. Voltando para a Galiza, sentimos o tempo que levamos perdido e lembramos o que nos diziam os nossos devanceiros. Biqueira assinalava: “Galegos/as, amade a vossa língua, que é um rico tesouro oculto” ou “O galego, não sendo uma língua irmã do português, senão uma forma do português (como o andaluz do castelhano), tem-se que escrever pois como português”: Pela sua parte Castelão afirmava “A nossa língua floresce em Portugal” e “Eu desejo que na Galiza se fale tão bem o galego como o castelhano, e que o galego se confunda com o português, de modo que tivéssemos assim dous idiomas extensos e úteis”. O ourensano Risco apontava “O galego e o português são duas formas dialetais do mesmo idioma. Queiramos ou não, isto trava-nos fortemente, estreitamente, com Portugal e com a civilização portuguesa”. O grande Vilar Ponte sentenciou acertadamente “Mentres viva o português, o galego não morrerá” e “O galego que não ama Portugal não pode amar a Galiza”. Murguia, Tettamancy, Pondal, Lapa, Marinhas del Valle, Guerra da Cal, Carvalho Calero, Dieste, Bouça… opinavam o mesmo. Qual é então a razão para que muitos galegos sigam sem apoiar a integração da nossa língua materna no mundo da lusofonia a que pertence? Dominando o galego-português por um lado e o castelhano por outro, os nossos jovens estariam no mundo numa situação preeminente. Castelão estaria feliz.

LÌNGUA MATERNA E AFETIVIDADE

Tal como sinalamos ao início do depoimento, em novembro de 1999 a Conferência Geral da UNESCO proclamou, para promover o multilinguismo e a diversidade cultural, o “Dia Internacional da Língua Materna”. A celebrar cada ano, a partir do ano 2000, o dia 21 de fevereiro. Tal proclamação foi feita por proposta dos representantes do Bangladesh. País formoso que eu visitei em várias ocasiões. Onde amam de verdade o seu idioma oficial que é o bengali ou bangla. Tanto, que foi a causa fundamental deste povo para luitar pela sua independência de Paquistão. Que lhes queria impor o urdu (hindi escrito com grafia árabe). O dia 21 de fevereiro de 1952 os jovens estudantes Abul Barkat, da Universidade de Daca, e Rafiquddin Ahmed, do Colégio Manikgonj Debandra, junto com o empregado da Corte da capital bengali Shafiur Rahman, foram assassinados pela polícia quando abriu fogo indiscriminado contra a manifestação dos bengalis que demandavam o reconhecimento do seu idioma bangla, como uma das línguas oficiais de Paquistão. Os mencionados jovens contam com um monumento na sua honra em Daca, que leva o nome de “Central Shahid Minar” ou “Memorial dos Mártires”. Pois tais jovens são considerados como mártires do idioma materno e a sua luita marca o início da guerra de libertação do Bangladesh, do jugo ocidental paquistanês. Que alcançou a sua independência em 1971, depois duma guerra cruenta, e na sua Constituição de 1972 se declara pela primeira vez o Bangla como o idioma oficial do país já independente. Precisamente desde 1953 todos os anos em 21 de fevereiro se celebra naquele país asiático o chamado “Language Movement Day” em lembrança dos mártires de seu lindo idioma. Entre os que também está o seu grande poeta e músico Nazrul Islam. Esta efeméride bangladeshi foi reconhecida internacionalmente, fazendo coincidir a data de celebração o mesmo dia de fevereiro, tal como comentei antes.
O escritor galo Bayle assinalava que a língua é o primeiro instrumento do génio dum povo. E se é a língua materna mais ainda por estar profundamente ligada à afetividade, aos sentimentos e às emoções. Não por acaso se utiliza o adjetivo materna. Da nossa mãe, já na vida intrauterina, escuitamos as primeiras palavras, os primeiros cantares e nanas, os primeiros versos e as primeiras frases. Ligados especialmente ao carinho e amor maternos. Por isso atentar contra a língua materna das crianças, seja a que for, é um crime de lesa pátria. E não deixam de ser absurdas as liortas linguísticas artificiais e artificiosas, como as que estamos a viver desde há certo tempo na Nossa Terra. Na que todos andam desnorteados. Cada comunidade deve reconhecer a importância da sua própria língua materna. Todos os idiomas conformam a identidade das pessoas e dos povos. Sendo um elemento fundamental de todas as manifestações da nossa vida social, cultural e económica. O outro dia desapareceu uma língua chamada bo, ao morrer o último que a falava nas ilhas indianas de Andamam no Índico. Quando se perde um idioma, e são muitos os que no mundo atual estão em perigo de desaparecer, perde-se um tesouro. Por isto há que pedir aos governos cordura no tratamento e ensino das línguas. Que bonito seria conseguir que todos os países aplicassem, tanto nos seus respetivos sistemas educativos formais e não formais, como no quadro da administração pública, medidas destinadas a propiciar a coexistência harmoniosa e frutífera das línguas de cada país. Matéria ainda pendente de superar, por desgraça, em Espanha. Espero que esta celebração sirva para refletir e para recapacitar sobre o tratamento que se está a dar às línguas. E na Galiza que todos, de ambas as partes, pelo bem da nossa língua materna, vão de mãos dadas na sua defesa e promoção. Com uma inteligência que até agora não se tem dado. Colocando o galego no âmbito lusófono internacional que lhe corresponde. Eu quero aproveitar hoje para lançar uma mensagem, que, infelizmente, não se vai alcançar pela falta de visão de muitos cidadãos e governantes. A minha mensagem é: Que bonito seria pôr-nos todos de acordo a nível mundial para estudar a língua materna de cada território, usando-a em todos os âmbitos da vida, e estudar uma de uso internacional – tenho eu claro que deveria ser o esperanto – para entender-nos com todos os cidadãos do mundo! Quanto dinheiro e esforços se poupariam! Isto não deixa de ser um utópico sonho. Mas, que não seja por falta de sonhar.

TEMAS PARA REFLETIR E REALIZAR

Depois de ver o documentário citado no presente depoimento, organizar um Cinema-fórum entre estudantes e professores, para analisar as imagens e comentar os conteúdos, assim como as opiniões das pessoas entrevistadas.
Organizar nos estabelecimentos de ensino uma ampla amostra com fotos, textos, frases, desenhos, aforismos, cartazes, etc. Sobre a língua materna (no nosso caso o Galego) e a sua importância para Galiza e seus cidadãos. Podemos editar ou policopiar com todo o material uma monografia sobre o tema.
Realizar um Debate-Papo, em que participem escolares e docentes, convidando também a participar pessoas e linguistas destacados da comunidade. O tema do mesmo teria que ser a Língua Materna, a alternativa do Reintegracionismo na Galiza, o valor do idioma galego como Língua internacional, extensa e útil e o Mundo da Lusofonia.
 José Paz Rodrigues

Ningún comentario:

Publicar un comentario