mércores, 6 de xullo de 2016

O galeguismo segundo Edward W. Said

Não podem representar-se a si próprios, devem ser representados. Karl Marx
Oriente é uma carreira. Benjamin Disraeli
O historiador palestiniano Edward W. Said abre o seu Orientalismo com estas duas citações que resumem a sua tese: os povos chamados orientais  – como os povos camponeses europeus, que são a quem faz referencia a cita de Marx – têm denegados a capacidade e o direito de auto-representar-se, de maneira que são as elites letradas ocidentais, mas nem só, as que as representam, cirando imagens estereotipadas coloniais que respondem aos seus próprios interesses. Assim, sob a aparência de descrever, constroe-se a identidade desses povos despossuídos, encerrando-os nos estereótipos.
Antom Santos desenvolve o conceito de “campesinismo” a propósito das lutas políticas agrárias na Galiza “Moderna” por volta da apropriação e elaboração da imagem do campesinado, desputada por setores atagónicos[1]. As classes labregas, consideradas o cerne do país por uns e por outros, representavam-nas, encarnando os valores políticos que interessavam às elites correspondentes: para a burguesia um povo pacífico em contraposição às rebeldes classes operárias; para o catolicismo os bons cristãos apegados às tradições; para o galeguismo, o povo an sich depositário das essências nacionais.
Alargando o conceito de campesinismo podemos tentar um “galeguismo” entendido como um orientalismo, e que provisionalmente se poderia definir como o conjunto de estratégias narrativas que umas elites letradas, foráneas ou galegas, mobilizam para representar “o povo galego” atendendo a diferentes intenções políticas, criando estereótipos que rematam (auto)identificando o país.
Acoutando ainda mais, este orientalismo galaico emerge especialmente, como contra-discurso e como contra-planificação cultural, cada vez que o galeguismo político, soberanista, cobra força e aparece como uma ameaça. Um destes momentos de emergência do “galeguismo” – quiçá fosse melhor chamá-lo “galleguismo” – como contra-discurso dá-se perante o Rexurdimento.
Galleguismo como Contra-Rexurdimento
Há que imaginar a cena para valorizar todo o seu significado: no jardim do paço de Meirás uma intelectual aristocrata, deitada à sombra, reflete sobre poesia olhando para um moço que, na leira, sob um sol abrasador, tira da junta de bois.
Esse peculiar modo de estar no mundo que Bourdieu chama o ponto de vista escolástico, relação que permite interpretá-lo e não só padecê-lo ou desfrutá-lo, aparece aqui sob uma brutal distância: jardim/leira, aristocrata/labrego, descanso/trabalho, letrada/analfabeto, espanhol-falante/galego-falante… A intelectual é a grande Dona Emilia Pardo Bazán, e a poesia sobre a que reflete a de Valentin Lamas Carvajal, responsável do emblemático O Tio Marcos da Portela, e militante agrarista.
O texto que redige Dona Emília nesse momento é o paradigma deste galleguismo que se apropria da linguagem galeguista para desativá-la politicamente, encauzando-o sempre no “regionalismo bien entendido” e a manutenção do statu quo. As suas palavras explicitam um programa:
Este poeta del terruño, para satisfacerme del todo —á aquella hora en que yo me despojaba de refinamientos y sutilezas literarias y sólo quería oir el cántico de las cosas, la vaga sinfonía del suelo nativo— había de ser principalmente muy quejumbroso y triste, aunque sin amarguras ni rebeliones: había de exhalar un lamento resignado, murmurándolo sin hinchazones de hipérbole, con la paciente lentitud del buey que avanza amarrado al yugo; había de ser un alma crédula y supersticiosa, atenta á las hondas voces del pasado; y al mismo tiempo no le habían de faltar sus asomos de filosofía pesimista y desconsolada, sus ráfagas de escepticismo instintivo y aun de dolor terco, como el de la bestia herida por el aguijón. En particular le pedía yo á mi poeta soñado, que sus versos no se diferenciasen mucho de la prosa en que hablaría siempre. Transigía con ía rima, pero no con la lima; no con esos adornos marchitos, tomados de Antologías y de Autores clásicos, galas que huelen á alcanfor como la ropa guardada en los armarios largo tiempo. No, por amor de Dios. ¡Dénme un cerebro infantil, primitivo, un cerebro labriego, un alma en contacto con aquella tierra que tan fecundas emanaciones lanza de sus entrañas siempre vírgenes! [2]
Ainda, tão magistral exemplo de orientalismo será completado com a feminização do bon sauvage, nessa lógica sexual que tão bem descreveu Helena Miguélez-Carballeira, deixando bem claro que se espera dos colonizados:
[…] el alma que veo en sus versos es un alma femenil, resignada y saudosa, por consiguiente adecuada á maravilla para comprender á nuestros campesinos y expresar sus íntimas querellas. Él nos dirá, sin ahuecar la voz, con el mismo acento monótono con que una vieja labriega refiere como le lleva-ron el hijo y murió por allá, las cuitas de la pobreza, que nos conmueven de piedad, por lo mismo que van narradas así, como males diarios, dolorosos, pero inevitables y eternos. [3]
Este texto e outros de temática parecida foram recolhidos em 1888 num volume intitulado De mi tierra, onde vai respostando à ameaça separatista do Rexurdimento ponto por ponto, com especial ênfase em previr a emergência do galego como língua nacional, não indo mais lá de “nuestro parnasillo regional”.  A razão profunda deste livro explicita-a quando recorda um encontro em Lisboa com Teófilo Braga “repito aquí lo que entonces dije: que no hay nacionalidades peninsulares, ni siquiera Dios sueñe en haberlas, ni permita, si llega este caso inverosimil, que lo vean mis ojos” [4]. Mas o interessante deste contra-discurso é que o fai apropriando-se de muitos dos lugares-comuns do regionalismo: afinidade com Portugal [5], sentimento de aldraje polo maltrato com o que foi paga a lealdade galega[6], acusação às elites galegas – consideradas matriz das espanholas –  de desleixo com a própria Terra[7], desprezo de Castela e defesa da Galiza como cabeça da civilização marítima junto com Catalunha e País Basco[8], e mesmo uma descrição de Corunha como utopia habermasiana. Outras passagens do livro contêm imagens espléndidas dessa relação de Orientalismo que a escritora mantivo com a rurália galega, como essa expedição de notáveis que partindo do balneário de Mondariz – “el Vichy gallego” – com duas aldeãs de porteadoras, chegam até o castelo de Sobroso, em cuja torre de homenagem içam a bandeira espanhola; sempre guiados por um indígena a quem olham com a desconfiança do colonizador: “¿Es candor ó malicia lo que brilla en el fondo de sus pupilas claras, cuando, después de referir una estraña conseja, inclina la cabeza y añade sentenciosamente – Créanme, que es cierto -. Yo no lo sé: el alma del pueblo será siempre una esfinge.” [9]
Temos a sensação, lendo Pardo Bazán, de estar a ler literatura britânica sobre a Índia. Talvez estivesse predestinada para ser a grande pluma do orientalismo galego quem se iniciou na literatura, aos 9 anos, dedicando umas quintilhas às tropas vencedoras na terra dos mouros.

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