venres, 21 de outubro de 2016

A língua, o importante; o acordo ortográfico não é prioritário

A CPLP é um grande instrumento para se posicionar a nível internacional mas precisa redefinir objetivos servindo-se da língua para as pessoas se entenderem e irem em frente. Nesta redefinição qual o lugar da Galiza?

Murade Murargy é o secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) desde a IX Conferência de Chefes de Estado e de Governo, realizada a 20 de Julho de 2012 em Maputo. A próxima, a XI, vai decorrer nos dias 31 de outubro e 1 de novembro de 2016, em Brasília. Para o secretário, a CPLP está cada vez mais visível no contexto internacional com uma série de países, como a Índia e a Austrália, que se candidatam, inclusive, para serem observadores da Comunidade e é por isso que a organização deve traçar, para a próxima década, políticas de cooperação entre os países nas áreas de educação, agricultura, energia e turismo. Na opinião do moçambicano, seguir à risca a aplicação do acordo ortográfico não é prioridade.
Entender-se as pessoas para ir em frente
Em entrevista concedida  a Marieta Cazarré para a Agência Brasil, falou da necessidade de internacionalizar a língua com independência de seguir ou não o acordo ortográfico .“A língua é muito importante, não há dúvida nenhuma, e é nossa obrigação difundi-la, promovê-la, internacionalizá-la. Mas não podemos ficar apenas agarrados à nostalgia da língua. A língua é um meio de transmissão de conhecimento, de negócios, do comércio, do investimento. Eu, por exemplo, não me preocupo se estou a aplicar [o acordo ortográfico] ou não. Se as pessoas me entendem, vamos em frente”.
“Nós, os países-membros, não nos olhamos ao espelho para ver quão interessantes somos. Os outros é que olham para nós e veem a importância que temos no cenário internacional. O potencial económico, os recursos naturais que nós temos... Eles [os países observadores] querem ter acesso a nossas negociações sobre comércio e investimento. Todo mundo quer aprender português, sobretudo por causa dos países africanos. Hoje a Turquia está na África. A China e a Índia estão na África. Estão todos a correr para a África para desenvolver negócios”.
Redefinir objectivos
Murargy está convencido que é preciso que os países-membros da CPLP redefinam os objetivos da organização, tendo em conta seu potencial económico e seus recursos naturais.
“Todos os países da CPLP têm uma capacidade energética muito forte. É preciso traçar políticas para exploração desses recursos em benefício dos nossos próprios povos. Na agricultura é a mesma coisa. A larga experiência do Brasil, através dos conhecimentos que a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] possui, pode ser transmitida a outros países que também têm capacidade para produzir alimentos”.
A próxima guerra vai ser por alimentos. E nós temos a capacidade de minimizar os grandes deficits de alimentos no mundo
A respeito do Brasil, Murargy serviu como embaixador de Moçambique no Brasil por seis anos e meio, disse que o país está buscando o equilíbrio entre as prioridades internas e o compromisso que tem com as comunidades, como a CPLP e as Nações Unidas.
“É preciso ter em conta que o Brasil é um vasto continente e, apesar de ter muitos recursos, é um país em desenvolvimento. Um país que luta para resolver seus problemas de base, como pobreza, educação, saúde, habitação. Então o Brasil interessa-se [pela CPLP] na medida do que é possível. Assim como outros países, como Angola e Moçambique, dá prioridade, obviamente, à resolução dos problemas internos. Os problemas da Comunidade ficam sempre em segundo ou terceiro plano.”
Educação e Acordo Ortográfico
Para Murargy, o maior dos desafios que a Comunidade enfrenta é na área da educação e do desenvolvimento humano. “Os países, sobretudo da África, ainda têm um grande deficit na área de educação, inclusive na educação de base, e é preciso eliminar o analfabetismo para que não haja um cidadão que não saiba ler, escrever, fazer contas”.
“Quanto ao acordo ortográfico, muita gente não está de acordo, há muitos intelectuais, jornalistas, que não aplicam, pois acham que não traz vantagens. Não há uma unanimidade sobre se valeu a pena, ou não, o tanto de dinheiro que se gastou”.
"As implicações financeiras da aplicação do acordo são grandes", disse Murargy.
Ele deu como exemplo a alteração dos manuais escolares, sobretudo nos países africanos, que não têm capacidade financeira para mandar alterar tudo. "Acredito que devemos concentrar-nos no que é fundamental para permitir que os outros [países-membros] possam se desenvolver”.
Futuro da CPLP
“Eu gostaria que a CPLP resolvesse um grande problema, que é a questão da mobilidade do cidadão no espaço da Comunidade. Sobretudo em grupos identificados, que são os empresários, jornalistas, artistas, desportistas, estudantes, investigadores, pesquisadores. A este grupo podíamos começar a dar uma porta de saída para circular no espaço, enquanto os países se organizam, para que a abertura seja total para os outros cidadãos. Isso seria um grande avanço nos próximos dez anos. E isso tem implicações na questão da educação, dos intercâmbios de conhecimento entre estudantes de Portugal, Brasil, Moçambique...".
São os cidadãos que vão transmitir a imagem do que é a CPLP, deste sentimento de pertença à CPLP”
“Eu vejo que, se houver vontade política, e espero que em Brasília os chefes de estado reafirmem a sua decisão de que a CPLP é uma organização para todos os nossos povos, é possível dar um impulso para que continue a crescer cada vez mais. Eu acredito que é um grande instrumento que temos para nos posicionarmos a nível internacional. Hoje já somos incontornáveis, mas podemos ser mais se mostrarmos um empenho em que essa organização cresça”, afirmou Murargy.
Dum tempo a esta parte os movimentos na CPLP apontam para o aproveitamento da unidade linguística como o fator de estabelecimento de laços comerciais e desenvolvimento económico. Mas o tempo passa e a Galiza continua ausente. Entrar de vez na CPLP deveria ser tarefa prioritária do novo parlamento que agora se constitui e do Governo que dele sair.

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