David
Fontán é um corunhês natural da Agra do Orçám, ainda que com ligações
familiares em Cerzeda. Cresceu num ambiente diglóssico e começou a
enveredar o rumo sendo ainda criança graças a uma simpática situação.
Contudo, não completou o processo até à adolescência. Com 18 anos
deslocou-se para estudar jornalismo em Compostela, já sem dúvidas quanto
à língua que falar.
No que diz respeito da defesa do reintegracionismo, teve muita influência o seu irmão, que também é sócio da AGAL. Materiais como Do Ñ para o NH ou um Erasmus em Lisboa também contribuiram, reconhece nesta entrevista.
Conta-nos, David: qual foi e é a tua relação com o galego?
Bom, eu criei-me no bairro corunhês da Agra do Orçám num ambiente diglóssico, com pais e avô galegofalantes, embora sendo eu criança não sempre se dirigissem a mim em galego. Na escola infantil e primária, o galego praticamente não existia. Dei um primeiro passo para normalizar a questão linguística no âmbito familiar por aí com cinco ou seis anos, numa situação bastante simpática acontecida na aldeia materna, um lugar do concelho de Cerzeda com o que sempre tive muita relação. Estava eu a cuidar das vacas e comecei a falar-lhes; coincidiu que foi em castelhano, e minha tia, por brincar comigo, disse-me que, se não lhes falava em galego, elas não iriam compreender. Então pensei: «Se o galego é válido para se comunicar com as pessoas e também com as vacas, por que não o vou falar? Muito melhor que o castelhano!». Graças às vacas, a coisa já ficou esclarecida com a família; porém, de aí a falar galego com normalidade e em qualquer contexto passou muito tempo, até que tomei consciência real do conflito em que vivia e tive personalidade suficiente para afrontá-lo. Com 15 ou 16 anos comecei a substituir o castelhano em todos os âmbitos da minha vida diária, e a situação não foi tão traumática como eu temia. No meu bairro fala-se muito galego, mas muito pouco entre os jovens; no entanto, a compreensão da minha escolha foi geral e eu passei a estar mais cómodo no meu dia a dia, a ser mais eu. Aos 18 fui para Compostela, à Universidade, já sem dúvidas neste aspecto. Curiosamente, aqui sim me perguntaram muitas vezes (e segue a acontecer) por isso de ser da Corunha e falar galego. Mas esse é outro tema.
Como e por que chegaste ao reintegracionismo?
Pois conheci o reintegracionismo há um monte de anos, pode que nove ou dez, através de meu irmão, que é sócio da AGAL. Embora não lhe desse grande importância naquela altura, o certo é que pouco a pouco comecei a ler português na rede, mesmo também em papel —graças à nossa língua, por exemplo, li o sexto livro de Harry Potter antes do que os meus amigos, já que a edição portuguesa saiu antes que a espanhola—, e a ouvir cada vez mais música em língua portuguesa. Acabei, de forma natural, por deixar de ver o português como um idioma estranho (o Do Ñ para o NH também ajudou) e por começar a dar-me conta de que nele reside o espaço natural do nosso idioma. O curso passado morei e estudei em Lisboa com motivo do programa Erasmus e ao tempo que explorava e descobria o mundo da lusofonia reencontrava-me com a minha língua. Ali comprovei o bonito que é podermos estar no mundo com a língua própria na boca e as oportunidades que se nos abrem por termos nascido onde nascemos.
Como jornalista, quando achas que haverá um Praza Pública ou um Sermos em português da Galiza?
Suponho que a questão irá da mão da consideração que a sociedade implicada com o galego tenha com o reintegracionismo, algo que está a melhorar progressivamente. Porém, também é certo que os próprios jornais podem influir nisto com um uso mais frequente do português no seu espaço. Espero que esse seja o caminho que tomem. E também quero apontar que já há boas publicações em português da Galiza, como o Novas!
Achas que a tua área profissional é um dos ambientes em que mais dificuldades há para viver em galego?
Poderia-se dizer que é uma das áreas profissionais em que, nos últimos anos, mais dificuldades há para viver, é dizer, para encontrar trabalho. Se ainda por cima quiseres trabalhar em galego, as possibilidades ficam muito mais reduzidas. Os jornais convencionais na Galiza não foram, nas últimas décadas, favoráveis a apoiarem o uso da língua própria e menorizada, nem sequer a favorecerem a liberdade linguística para os seus jornalistas. Porém, e independentemente disso, há histórias que é preciso contar, e hoje abrem-se muitas oportunidades no campo da comunicação que nos permitem fazer trabalhos como freelancers, também no nosso país e na nossa língua.
Pensas que graças ao galego poderás encontrar mais oportunidades de trabalho?
O simples facto de sermos galegos e de falarmos, de jeito nativo, as duas línguas românicas com maior projeção a nível global já nos dá muitas vantagens comparativas. Logicamente, a nossa língua, do ponto de vista internacional, abre portas. Quando a nível coletivo aceitemos isso e saibamos que em Madrid —e em tantos outros lugares— não têm essa sorte, poderemos valorar-nos mais e seremos um pouco mais livres.
Por onde achas que devem caminhar o reintegracionismo e o movimento normalizador?
Acho que o caminho que está a levar o reintegracionismo é, em linhas gerais, muito adequado. Só poderemos mudar as dinâmicas negativas se utilizarmos um discurso positivo, algo de que estamos muito desprovidos neste país. Esse é o jeito de sairmos disputar o jogo se o que temos é vontade de o ganhar.
Há umas semanas publicou-se um inquérito de La Voz de Galicia sobre o ensino em galego, e um tanto por cento bem importante mostrava-se favorável ao aumento das horas letivas na nossa língua, especialmente entre os jovens (a metade reclamava mais horas e só 3% pedia menos). Sem esquecermos qual é a situação em que nos encontramos, há vimes para uma mudança, e o papel do português (como espaço natural da nossa língua, que para além nos abre a porta ao mundo) vai ser chave. Novos tempos pedem novas estratégias. Levamos toda a vida a carregar o mantra da inutilidade do galego quando passamos o Padornelo. Mas, se para além de ser nosso, nos põe em contacto com tantos outros povos, com tudo o que isso implica cultural, social, económica e politicamente? E se por cima as aulas se tornam mais divertidas, como há pouco vi que dizia uma rapariga (acho que no PGL, mas não tenho a referência)? Necessitamos de um New Deal para o galego!
Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associares e que esperas da associação?
Pois conheci a AGAL, como já expliquei, pelo meu irmão, e desde aquela sempre estive pendente do que fazia. Decidi associar-me porque sou consciente de que olharmos para a lusofonia é vital para o futuro da língua, mas especialmente pela pluralidade deste espaço, o discurso positivo que se realiza, o bom trabalho que considero que se está a efetuar… Parece-me, em definitiva, que a causa é boa e o lugar onde trabalhar por ela também, assim que por que não associar-me? Espero que a AGAL tenha um papel importante que jogar quando se desenvolver esse novo consenso que tanto necessitamos.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2030?
Gostaria de que qualquer pessoa que acabasse os estudos secundários na Galiza tivesse um bom domínio não só do castelhano, senão também do galego, algo que hoje não acontece. Gostaria de que a visão internacional da nossa língua se fosse introduzindo na sociedade galega através da escola e dos meios de comunicação. Também gostaria, claro, de não ficar surpreendido ao escutar uma criança falar galego, mas isso será consequência duma série de questões, entre elas as anteriores. E estamos a tempo de invertermos as dinâmicas.
No que diz respeito da defesa do reintegracionismo, teve muita influência o seu irmão, que também é sócio da AGAL. Materiais como Do Ñ para o NH ou um Erasmus em Lisboa também contribuiram, reconhece nesta entrevista.
Conta-nos, David: qual foi e é a tua relação com o galego?
Bom, eu criei-me no bairro corunhês da Agra do Orçám num ambiente diglóssico, com pais e avô galegofalantes, embora sendo eu criança não sempre se dirigissem a mim em galego. Na escola infantil e primária, o galego praticamente não existia. Dei um primeiro passo para normalizar a questão linguística no âmbito familiar por aí com cinco ou seis anos, numa situação bastante simpática acontecida na aldeia materna, um lugar do concelho de Cerzeda com o que sempre tive muita relação. Estava eu a cuidar das vacas e comecei a falar-lhes; coincidiu que foi em castelhano, e minha tia, por brincar comigo, disse-me que, se não lhes falava em galego, elas não iriam compreender. Então pensei: «Se o galego é válido para se comunicar com as pessoas e também com as vacas, por que não o vou falar? Muito melhor que o castelhano!». Graças às vacas, a coisa já ficou esclarecida com a família; porém, de aí a falar galego com normalidade e em qualquer contexto passou muito tempo, até que tomei consciência real do conflito em que vivia e tive personalidade suficiente para afrontá-lo. Com 15 ou 16 anos comecei a substituir o castelhano em todos os âmbitos da minha vida diária, e a situação não foi tão traumática como eu temia. No meu bairro fala-se muito galego, mas muito pouco entre os jovens; no entanto, a compreensão da minha escolha foi geral e eu passei a estar mais cómodo no meu dia a dia, a ser mais eu. Aos 18 fui para Compostela, à Universidade, já sem dúvidas neste aspecto. Curiosamente, aqui sim me perguntaram muitas vezes (e segue a acontecer) por isso de ser da Corunha e falar galego. Mas esse é outro tema.
Como e por que chegaste ao reintegracionismo?
Pois conheci o reintegracionismo há um monte de anos, pode que nove ou dez, através de meu irmão, que é sócio da AGAL. Embora não lhe desse grande importância naquela altura, o certo é que pouco a pouco comecei a ler português na rede, mesmo também em papel —graças à nossa língua, por exemplo, li o sexto livro de Harry Potter antes do que os meus amigos, já que a edição portuguesa saiu antes que a espanhola—, e a ouvir cada vez mais música em língua portuguesa. Acabei, de forma natural, por deixar de ver o português como um idioma estranho (o Do Ñ para o NH também ajudou) e por começar a dar-me conta de que nele reside o espaço natural do nosso idioma. O curso passado morei e estudei em Lisboa com motivo do programa Erasmus e ao tempo que explorava e descobria o mundo da lusofonia reencontrava-me com a minha língua. Ali comprovei o bonito que é podermos estar no mundo com a língua própria na boca e as oportunidades que se nos abrem por termos nascido onde nascemos.
Como jornalista, quando achas que haverá um Praza Pública ou um Sermos em português da Galiza?
Suponho que a questão irá da mão da consideração que a sociedade implicada com o galego tenha com o reintegracionismo, algo que está a melhorar progressivamente. Porém, também é certo que os próprios jornais podem influir nisto com um uso mais frequente do português no seu espaço. Espero que esse seja o caminho que tomem. E também quero apontar que já há boas publicações em português da Galiza, como o Novas!
Achas que a tua área profissional é um dos ambientes em que mais dificuldades há para viver em galego?
Poderia-se dizer que é uma das áreas profissionais em que, nos últimos anos, mais dificuldades há para viver, é dizer, para encontrar trabalho. Se ainda por cima quiseres trabalhar em galego, as possibilidades ficam muito mais reduzidas. Os jornais convencionais na Galiza não foram, nas últimas décadas, favoráveis a apoiarem o uso da língua própria e menorizada, nem sequer a favorecerem a liberdade linguística para os seus jornalistas. Porém, e independentemente disso, há histórias que é preciso contar, e hoje abrem-se muitas oportunidades no campo da comunicação que nos permitem fazer trabalhos como freelancers, também no nosso país e na nossa língua.
Pensas que graças ao galego poderás encontrar mais oportunidades de trabalho?
O simples facto de sermos galegos e de falarmos, de jeito nativo, as duas línguas românicas com maior projeção a nível global já nos dá muitas vantagens comparativas. Logicamente, a nossa língua, do ponto de vista internacional, abre portas. Quando a nível coletivo aceitemos isso e saibamos que em Madrid —e em tantos outros lugares— não têm essa sorte, poderemos valorar-nos mais e seremos um pouco mais livres.
Por onde achas que devem caminhar o reintegracionismo e o movimento normalizador?
Acho que o caminho que está a levar o reintegracionismo é, em linhas gerais, muito adequado. Só poderemos mudar as dinâmicas negativas se utilizarmos um discurso positivo, algo de que estamos muito desprovidos neste país. Esse é o jeito de sairmos disputar o jogo se o que temos é vontade de o ganhar.
Há umas semanas publicou-se um inquérito de La Voz de Galicia sobre o ensino em galego, e um tanto por cento bem importante mostrava-se favorável ao aumento das horas letivas na nossa língua, especialmente entre os jovens (a metade reclamava mais horas e só 3% pedia menos). Sem esquecermos qual é a situação em que nos encontramos, há vimes para uma mudança, e o papel do português (como espaço natural da nossa língua, que para além nos abre a porta ao mundo) vai ser chave. Novos tempos pedem novas estratégias. Levamos toda a vida a carregar o mantra da inutilidade do galego quando passamos o Padornelo. Mas, se para além de ser nosso, nos põe em contacto com tantos outros povos, com tudo o que isso implica cultural, social, económica e politicamente? E se por cima as aulas se tornam mais divertidas, como há pouco vi que dizia uma rapariga (acho que no PGL, mas não tenho a referência)? Necessitamos de um New Deal para o galego!
Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associares e que esperas da associação?
Pois conheci a AGAL, como já expliquei, pelo meu irmão, e desde aquela sempre estive pendente do que fazia. Decidi associar-me porque sou consciente de que olharmos para a lusofonia é vital para o futuro da língua, mas especialmente pela pluralidade deste espaço, o discurso positivo que se realiza, o bom trabalho que considero que se está a efetuar… Parece-me, em definitiva, que a causa é boa e o lugar onde trabalhar por ela também, assim que por que não associar-me? Espero que a AGAL tenha um papel importante que jogar quando se desenvolver esse novo consenso que tanto necessitamos.
Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2030?
Gostaria de que qualquer pessoa que acabasse os estudos secundários na Galiza tivesse um bom domínio não só do castelhano, senão também do galego, algo que hoje não acontece. Gostaria de que a visão internacional da nossa língua se fosse introduzindo na sociedade galega através da escola e dos meios de comunicação. Também gostaria, claro, de não ficar surpreendido ao escutar uma criança falar galego, mas isso será consequência duma série de questões, entre elas as anteriores. E estamos a tempo de invertermos as dinâmicas.
Conhecendo David:
- Um sítio web: A Wikipédia.
- Um invento: A bicicleta.
- Uma música: Esta pergunta não se me pode fazer… Poderia dizer «as de raiz», mas não só. Por escolher uma, porque a música (e a língua) pode chegar a tecer conexões, Quero ser tambor, de Narf e Manecas Costa. E ultimamente tenho muito na cabeça a Sílvia Pérez Cruz e o seu Gallo Rojo.
- Um livro: Quiçá Cem Anos de Solidão, de García Márquez, seja o romance que mais me marcou. Nos últimos tempos, Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy.
- Um facto histórico: As revoltas agrárias, assim em geral, e o agrarismo como movimento (não só o de pré-guerra).
- Um prato na mesa: Uma boa tortilha de patacas, a lasanha de filhoas da minha avô… E poderia continuar.
- Um desporto: A bilharda.
- Um filme: O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman.
- Uma maravilha: O pôr-do-sol da cozinha do meu andar compostelano deste ano.
- Além de galego: Bom comedor.
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