Lembro-me de estar a ver televisão
com um amigo meu acabadinho de chegar da Andaluzia, onde trabalhara
durante uns meses. De repente, não sei porquê, demos connosco a ouvir um
galego a falar na televisão.
Disse-lhe
(armado em sabichão das línguas) que aquilo era galego e ele começou a
rir-se, dizendo que aquilo era, obviamente, espanhol. Para ele, nada do
que lhe dizia fazia sentido.
A paisagem linguística da Península Ibérica é feita de proximidades e
distâncias e uma variedade que poucos portugueses conhecem. A maioria
de nós vê tudo de forma binária: o que se ouve pela Península fora só
pode ser português ouespanhol.
É normalíssimo: o que aprendemos na escola não inclui as variedades
linguísticas de Espanha e nem todos andámos de ouvido à escuta,
interessados em perceber as subtilezas do mundo das línguas.
Quando um português ouve um galego a falar, tenta situar-se: se
ouvir vogais abertas e uma certa entoação, vai arrumar a língua na
gaveta do espanhol.
A lógica é simples: é algo parecido com o português e soa a espanhol.
Logo, é espanhol. Mal sabem que, na realidade, estão a ouvir aquilo que
muitos dizem ser (com razões muito válidas) a nossa própria língua,
embora com outro nome e outro sabor.
Dito isto, certas pronúncias do galego deixam os portugueses
atarantados. São as pronúncias que os galegos considerarão menos
urbanas, mas que são, para um português, uma estranha forma da sua
própria língua.
De repente, aquilo soa demasiado a português para ser espanhol.
Imagino que perante este vídeo (que um leitor deste site deixou por aqui
há uns dias), muitos portugueses fiquem surpreendidos com a forma como
alguns destes jovens parecem estar a falar português:
Se o meu amigo não conseguia distinguir o galego do espanhol, ainda
há uns dias, o meu sogro confessou-me ver, por vezes, a TV Galiza: havia
quem falasse português por aquelas bandas.
O galego é essa língua onde nós, portugueses, sentimos a vertigem de
não saber se estamos ali ou não. É como um velhinho de 100 anos que olha
para uma fotografia de quando era muito novo e já não sabe bem se está a
olhar para si próprio ou para um irmão…
Marco Neves é português, vive em Lisboa e, por algum motivo que se
perde nas brumas da memória, tem um interesse muito marcado por todas as
línguas ibéricas. É tradutor, gestor e docente universitário e está a
preparar uma tese de doutoramento na área da literatura e tradução.
Sofre do vício dos livros, escreve em www.certaspalavras.net e anda a aprender o que é ser pai.
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