mércores, 2 de novembro de 2016

A Língua como pátria, mátria, frátria

Possivelmente Carvalho Calero e Fernando Pessoa nom cruzárom nunca os seus caminhos vitais mais ambos coincidírom numa ideia: a língua é a pátria, ou a mátria, ou a frátria, comum.

Com bastante certeza Fernando Pessoa nom leu nunca nada do escrito por Carvalho Calero a pesar de à altura de 1935, ano em que a 30 de novembro Pessoa faleceu, já Carvalho ter publicado quatro livros de poesia e umha peça de teatro de título O Fillo, sem esquecer o discurso pronunciado com motivo da abertura do curso 1930-1931 da Universidade de Santiago e de nos contar Como vía Aristóteles o Pae Feijoo
Com toda segurança Carvalho leu todo o publicado por ou sobre Pessoa até o ano da sua morte, a de Carvalho, em 1990.
Pessoa escreveu moita e variada cousa, tanta que ainda hoje seguem a aparecer textos inéditos, mais, como Carvalho, preferiu sempre a poesia:
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,

E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

Se Pessoa, através de Alberto Caeiro, o Guardador de Rebanhos, afirma ser a sua vida de poeta, Carvalho, nas Conversas en Compostela com Fernán-VelloFrancisco Pillado,  confessa:
Dunha forma ou doutra, aínda que eu son polígrafo, xa que teño traballado en narrativa, en teatro e en ensaio, creio que, efectivamente, o máis íntimo da miña personalidade está reflexado na poesía, até o extremo de que na mesma narrativa ou no mesmo teatro, considero que a parte mais persoal ou a parte mais orixinal, dentro da orixinalidade que cabe a un escritor do século XX depois de Xesuscristo, é aquela que contén unha raiz lírica”
A Baixa e Maçarelos
Com certeza Carvalho percorreu todas as ruas da Baixa em que Pessoa imaginou máis de um cento de heterónimos, todo um universo de criaturas que o acompanhárom nas tertúlias do café A Brasileira e nas noites do Chiado e também quando ideou a anúncio da Coca-Cola.
Se Carvalho percorreu as ruas da Baixa de Lisboa  nom temos evidéncia de Pessoa ter percorrido a Praça de Maçarelos

Nada nos indica que Pessoa percorresse o Tránsito dos Gramáticos nem andasse pola praça de Maçarelos como fazia Carvalho cada dia antes das nove desde que em 1965 se incorporou à Faculdade de Filologia, a um posto de trabalho dotado com 700 pesetas ao mês: "O Decano escribiume oferecéndome o posto. Como a cadeira non está dotada, só se dispón de 700 pesetas mensuás pra me remunerar. Pero, ¿cómo ía atreverme a refusar? Mallaríades en min. Contestei aceitando ... En fin, é unha aventura persoal impropria dos meus anos; pero quero ensaiala, inda que remate mal, pois sería paradóxico que a esquivara. Hai que vivir con autenticidade
O espelho en que Galiza se reconhece.
"A minha pátria é a língua portuguesa", escreveu Pessoa e Carvalho, se cadra neste caso menos poético, di: “Em realidade, Galiza existe desde que existe o galego porque o galego é o espelho em que Galiza se reconhece” para continuar: “A história do idioma galego é a história mesma de Galiza” e concluir que “Galiza nace à história quando o galego nace”
A minha pátria é a língua portuguesa" escreveu Pessoa e Carvalho afirma que Galiza existe desde que existe o galego.
A identificación língua/pátria e língua/naçom é comum a Carvalho e a Pessoa. A frase de Pessoa, do Livro do Desassossego, originou inúmeras citaçons ou adaptaçons. Entre elas, a modo de exemplo, José Saramago, que concluiu que a língua portuguesa é “uma língua de várias pátrias”; ou Eduardo Lourenço, que acrescentou:"uma língua não o é de ninguém, mas nós não somos ninguém sem uma língua que fazemos nossa”; ou Jorge de Sena, que vai além "a Pátria de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações nasci”; ou Maria Gabriela Llansol, para quem "o meu país não é a minha língua, mas levá-la-ei para aquele que encontrar"; ou Eduardo Prado Coelho, que, categórico, afirma: "A nossa pátria só será a língua portuguesa se for mais do que a língua"; ou o moçambicano Mia Couto, que di: "A minha pátria é a minha língua portuguesa"; ou o brasileiro Ledo Ivo: "Minha pátria não é a língua portuguesa. Nenhuma língua é a pátria. Minha pátria é a terra mole e peganhenta onde nasci"

Caetano Veloso, que nom tem pátria, quer frátria:
A  língua é a minha pátria
E eu não tenho pátria, tenho mátria
E quero frátria
A preocupaçom de Carvalho pola língua, tanto pola sua codificaçom como polo seu uso, arranca de moi novo. Já em 1933 censura o amigo Fernández del Riego por ter utilizado em público o espanhol antecipando a teoria da necessidade de criarmos espelhos públicos de uso:
Paréceme moi mal que falaras en castelán no mitin escolar. Hai que partir da hipótese de que todos os estudantes de Santiago coñecen o galego. A tesis debe ser: en Galicia, como non se actúe como funcionario oficial nunca debemos falar en castelán en púbrico
Chegados a esta altura do texto podem pergunta-se por que juntei num mesmo relato Carvalho e Pessoa. Pois permitam-me traer como resposta aquel verso de Rosalia: O amor da patria me afoga.
A posiçom de Carvalho é sermos,  linguisticamente falando, compatriotas de Pessoa, de Mia Couto ou de Caetano Veloso.

Porque se em Pessoa é evidente a identificaçom pátria=língua em Carvalho é patente a identificaçom língua=naçom, que vem sendo o mesmo. Por isso Carvalho di que “o galego é Galiza” e se o galego é (ou forma parte, como preferirem) o mesmo sistema linguístico tamém chamado português e a partir de aqui resulta bem conhecida a posiçom de Carvalho, sermos, linguisticamente falando, compatriotas de Pessoa, de Mia Couto ou de Caetano Veloso.
PS.
Este texto foi concebido para a lembrança do 106 aniversário (30 de outubro) do nacimento de Carvalho Calero em Ferrol, na casa número 51 da Rua de Sam Francisco, hoje em ruína. E tamém porque outro dia 30, agora de novembro, morreu Pessoa.

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