venres, 20 de febreiro de 2015

O tigre e a RAG

À Real Academia Galega (RAG), de 1980 para acá, poderíamos dissimular-lhe que tenha continuado, por tradiçom e emulaçom, a ostentar na sua denominaçom o inconveniente qualificativo de real (se nom fosse, ai!, que a dinastia para a qual tal título remete tem historicamente desprezado o galego!), que um seu presidente assinasse artigos de tema filosófico no jornal madrileno El País sob a estranha fórmula de «es Delegado del Gobierno en Galicia» (se nom fosse, ai!, que esse presidente da RAG interpujo junto do Tribunal Constitucional espanhol recurso contra umha lei autonómica que declarava, em igualdade com o castelhano, o dever de os cidadaos galegos conhecerem o galego!), que a última ediçom do seu dicionário da língua nom seja de excelente qualidade técnica (se nom fosse, ai!, que esse dicionário, cuja elaboraçom representa umha das máximas razons de ser da instituiçom académica, se revele de qualidade extremamente deficiente!) ou que, enfim, o Dias das Letras deste ano o tenha dedicado a um literato cuja erudiçom se tem revelado de escassa projeçom social (se nom fosse, ai!, que esse erudito colaborou ativamente com o franquismo!).
Todo isso, sem os agravantes parentéticos, lho poderíamos desculpar, mas, ai!, nunca poderemos perdoar à RAG que, durante os últimos trinta críticos anos, atraiçoando os objetivos fundacionais da própria instituiçom [1] e a linha tradicional do galeguismo [2], tenha impedido o galego de se constituir numha verdadeira língua de cultura, capaz de atingir umha plena regeneraçom formal e funcional e de concorrer na atual Galiza em igualdade de condiçons com o castelhano.
  
Com efeito, tendo sido a RAG indigitada polos sucessivos governos autonómicos para estabelecer a codificaçom do galego e os critérios de correçom lingüística que haviam de ser aplicados em todos os ramos da administraçom, no sistema educativo, nos principais meios da comunicaçom social e nas publicaçons com direito a subsídio governamental, algumha parte importante de responsabilidade caberá a essa instituiçom pola drástica e contínua diminuiçom de utentes de galego que se tem registado, especialmente entre as novas geraçons, durante os últimos três decénios e que agora compromete a médio prazo a sobrevivência da língua na Galiza. Por açom ou por omissom, o modelo de língua elaborado pola RAG e a imagem da língua que ela projeta nom tenhem servido durante estes anos para reforçar, de maneira efetiva, a lealdade lingüística e a nobilitaçom expressiva entre os utentes primários de galego, nem para conseguir umha significativa incorporaçom de neofalantes, o que, de modo evidente, tem ficado a dever-se à insuficiência desse modelo de língua para prestigiar com eficácia, entre galegos galecófonos e galegos hispanófonos, a língua autóctone da Galiza frente ao concorrente castelhano.
O triste, o dramático, da situaçom de prostraçom e declínio que hoje ameaça o futuro próximo do galego é que o modelo de língua mais largamente socializado, elaborado durante os três últimos decénios pola atual RAG e polo Instituto da Lingua Galega, representa a negaçom e a exclusom de um outro modelo, o reintegracionista, já consideravelmente elaborado, mas ainda minimamente socializado, que propom umha codificaçom do galego-português da Galiza que, sem renunciar ao reconhecimento de legítimos particularismos galegos, se orienta à coordenaçom com as vigorosas variedades lusitana e brasileira da língua, o que acarreta umha cabal regeneraçom formal e funcional do código e, a nível social, poderia determinar um notável prestigiamento da língua autóctone da Galiza e umha decisiva revalorizaçom dos seus usos. Frente a esta estratégia prestigiadora e plenamente regeneradora, que só cabe conceituarmos como natural e racional, a RAG, desde há trinta anos, teima, infelizmente, em erguer um modelo de galego caraterizado, em primeiro lugar, por umha profunda subordinaçom ao castelhano e, em segundo lugar, por um cego desprezo da convergência com as variedades lusitana e brasileira do galego-português, o que se repercute, sobretodo, nos planos ortográfico e lexical. Focalizando agora a nossa atençom no importante setor do léxico, vejamos, epitomadas nuns poucos exemplos (adscritíveis aos fenómenos degradativos da estagnaçom lexical e da suplência castelhanizante), estas duas irracionais tendências codificadoras da atual RAG:
  
1.º Profunda subordinaçom ao castelhano. Esta subordinaçom é tam intensa que chega ao obsceno, porquanto ela se verifica, no campo lexical, com freqüente sacrifício da idiomaticidade e da funcionalidade expressivas do galego. Assim, contra a idiomaticidade expressiva, e contra um elementar decoro, a RAG teimou em codificar, como denominaçom galega da letra q, o cacofónico *o cu, só para harmonizar com a denominaçom castelhana cu! Se o ativismo lingüístico nom demorou um ápice a denunciar tal aberraçom, denúncia apoiada na divulgaçom de escarninhos gracejos como aquele de que os professores isolacionistas «ensinam a escrever com o cu», a RAG tardou cerca de vinte anos (!!) a corrigir tal dislate, até que, felizmente, em 2003, véu a prescrever, de modo sensato, o nome o quê para essa letra, de harmonia com o lusitano e o brasileiro (no entanto, esta problemática continua a prejudicar a idiomaticidade do galego: ainda hoje, a RAG prescreve a voz *a silicona —si, «a sili-cona» (!!)— para denotar, com crassa subordinaçom ao castelhano, umha substáncia que nas variedades normalizadas do galego se chama o silicone). Por outro lado, contra a funcionalidade expressiva do galego, a RAG propom designarmos (DRAG: sub voce ‘cobra’) como cobras as espécies de cobras (= ofídios, serpentes) muito venenosas que dilatam a regiom cervical quando se excitam (cobras dos géneros NajaOphiophagus e Hemachatus, da família Elapídeos), só porque esse grupo de cobras exóticas se designam em castelhano como cobras! Mas se em castelhano cobra nom se confunde com culebra, em galego, língua em que todos os ofídios ou serpentes se denominam cobras, como vai ser possível referir-se a um grupo particular de cobras com a voz cobra? Surge, entom, aqui, umha flagrante disfuncionalidade expressiva, que se teria podido evitar, e que se pode evitar, simplesmente, mediante a natural coordenaçom com as variedades geográficas lusitana e brasileira do galego-português, nas quais as cobras deste grupo particular se denominam cobras-capelo, já que capelo, também em galego, designa o capuz (de monge) que estas serpentes parecem ostentar quando alarmadas (em termos simples, esta eficaz estratégia neológica pode explicar-se da seguinte maneira: se os galegos coincidimos com portugueses e brasileiros em chamarmos cobras às cobras, por que nom havemos de coincidir também com eles em chamarmos cobras-capelo a esse grupo particular de cobras exóticas?!).
  
2.º Desprezo da natural, enriquecedora e emancipadora estratégia de coordenaçom do galego com as suas variedades geográficas socialmente estabilizadas, o lusitano e o brasileiro. Esta recusa a aproveitar os recursos expressivos disponibilizados polas variedades geográficas do galego leva com freqüência a RAG a preferir, para a designaçom de conceitos modernos, a antieconómica invençom dos elementos lexicais, mesmo no ámbito da neologia técnico-científica [3], antes do que a sua económica habilitaçom através da coordenaçom com o luso-brasileiro. Assim, a RAG chega ao extremo de instituir umha comissom de pretensos especialistas em lexicografia que, para referir em galego certos elementos gráficos usados em informática, em vez de adotar, de harmonia com o luso-brasileiro, os idiomáticos neologismos o ícone e o emotícone, nos propom, com insolente desembaraço, as soluçons inventadas a icona («a i-cona»!!) e a emoticona («a emoti-cona»!!), as quais, atentatórias contra qualquer decência expressiva, numhas coordenadas socioculturais menos anormais do que as nossas teriam constituído um verdadeiro escándalo e ipso facto teriam desqualificado os seus instauradores como incompetentes.
Como vemos epitomado nestes exemplos, o irracional desprezo da congenial coordenaçom galego-portuguesa, que Manuel Portela Valadares crismava de cego impulso de arredamento, exacerba a subordinaçom ao castelhano da atual codificaçom da RAG, cujos representantes com freqüência nom parecem pensar em galego e para o galego (entretanto, eles nunca se atreveriam a propor para o castelhano ridículas soluçons como el culo para designar umha letra, nem culebra para designar as cobras-capelo, nem el silicoño, el icoño ou el emoticoño!!), e prejudica a idiomaticidade e a funcionalidade do galego, detraindo-lhe recursos e energias vitais para poder concorrer na Galiza com o prestigioso castelhano. É preciso, portanto, insurgirmo-nos contra esta codificaçom, profundamente subordinadora e incapacitante, imposta desde há trinta anos ao galego pola atual RAG e polo Instituto da Lingua Galega. Nom se trata, porém, de umha insurgência cega, de sinal destrutivo e sem alternativa construtiva, mas, antes, de um proceder sensato, bem refletido e planificado, continuador da doutrina tradicional do galeguismo e que, sem renunciar a nada que seja legitimamente galego, se baseia numha constante coordenaçom com o luso-brasileiro e no aproveitamento dos recursos já surgidos e usufruídos nas variedades normalizadas da nossa língua. 
O castelhano, no seu agressivo avanço social na Galiza dos últimos tempos, é um tigre revigorado, que se abalança sobre o anho galego, enfraquecido desde há séculos. Para defendermos o anho, o galego, das garras do tigre, ao nosso alcance temos um vime e umha lança. A Real Academia Galega, com a sua atual codificaçom, parece ter optado por esgrimir o vime, e o anho está a receber graves laceraçons e ferimentos, talvez já conducentes à morte; deixada num canto, a lança, robusta e bem aguçada, espera a sua vez. Perante este dramático fracasso, quanto mais tempo vam demorar o galeguismo todo, a Real Academia Galega, o poder político galego, a empunharem a lança, a defenderem o anho, a darem-lhe algumha oportunidade?

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